"Alô, Dolly!”, o novo musical de Sandro Chaim, tem o mérito de ser uma grande produção que movimenta a classe teatral e o público carioca, além, claro, de, como todo objeto de arte, concretizar em uma peça a arte do teatro (musical). O resultado, no entanto, não é excelente, apesar de seus bons momentos. São eles: os figurinos brilhantes de Fause Haten, as coreografias ágeis de Fernanda Chamma e a linda voz e interpretação de Alessandra Verney (Irene Molloy). Marília Pêra (Dolly Levi) e Miguel Falabella (Horácio Vandergelder), grandes responsáveis pelo projeto, juntos em cena pela primeira vez, apresentam um bom trabalho, mas sem total êxito.
A versão brasileira do premiado espetáculo da Broadway é ruim, porque lenta, monótona e arrastada. Os cenários de Renato Theobaldo e de Roberto Rolnik são escuros e antecipam as situações e a iluminação de Paulo César de Medeiros, além de redundante, deixa o palco no escuro em vários momentos. Em suma, “Alô, Dolly!”, em sua grandiosidade, é um espetáculo bom, mas, como muitas produções, têm pontos negativos e pontos positivos.
Seu maior feito é estar feito.
O texto tem sua origem em uma peça chamada “The Merchant of Yonkers”, de 1938, escrita pelo americano Thornton Wilder, que foi um fracasso de público e de crítica na época. Dezessete anos depois, em 1955, baseada no texto de Wilder, mas com clara ascendência em Molière, “The Matchmaker”(A Casamenteira), escrita pelo inglês Tyrone Guthrie apresentava Dolly e Horácio como filhos legítimos de Frosina e Harpagão (da peça “O Avarento”). Em 1958, sob direção de Joseph Anthony, a peça virou filme, com Shirley Booth (Dolly), Shirley MacLaine (Irene) e Anthony Perkins (Cornélio) nos papéis principais. Então, veio o musical e, finalmente, o sucesso. Com roteiro de Michael Stewart e músicas de Jerry Herman, e com Carol Channing no papel título, “Hello, Dolly!”ganhou dez Tony, o Oscar do teatro de Nova Iorque, ficando muitos anos em cartaz. Por fim, em 1969, com direção de Gene Kelly, Barbra Streisand liderou a versão do musical para o cinema. Indicado a sete Oscar, ganhou apenas três (Melhor Som, Direção de Arte e Trilha Sonora. Streisand nem mesmo foi indicada.). Em 1966, Victor Berbara, que havia produzido “My fair lady”, trouxe o musical da Broadway para o Brasil. Com Bibi Ferreira e Paulo Fortes como protagonistas, o musical estreou no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, com versão brasileira assinada por Haroldo Barbosa e Max Nunes, realizando mais de 300 apresentações.
Com direção musical de Carlos Bauzys, o espetáculo agora em cartaz no Teatro Oi Casa Grande tem direção geral assinada por Miguel Falabella. A encenação carece de ritmo: as cenas são arrastadas, as letras das canções ficam muito aquém da versão original e da primeira versão brasileira, a história não flui. Além disso, o espetáculo reproduz o erro de casting acontecido no filme de Gene Kelly. Assim como Barbra Streisand não convenceu como uma viúva “biscateira”, Falabella não convence como um velho feio e rabugento. O sotaque caipira do personagem é bom porque ajuda o espectador a entender que são duas cidades (algumas cenas acontecem em Yonkers, outras em Nova Iorque), mas o célebre e talentoso ator, dramaturgo e novelista brasileiro segue reafirmando seu prejudicial estigma de “Caco Antibes”, personagem do programa “Sai de Baixo”, exibido pela Rede Globo, nos anos 90. No olhar superior, no tom de voz debochado, mas sobretudo na forma como corporalmente o peito se mantém aberto com os ombros fechados para trás, Horácio repete Antibes infelizmente.
Marília Pêra é responsável, juntamente com Falabella, por cenas hilárias como a janta no Jardim das Delícias. Excelente atriz e cantora há muitas décadas, a atriz apresenta uma ótima performance em termos de canto e de movimento, apesar de inexplicavelmente falar devagar demais em vários momentos, prejudicando (ainda mais) o ritmo da narrativa.
No elenco, há, ainda, dois destaques positivos em pequenas participações: Patrícia Bueno (Ernestina Ricca) e Ricardo Pêra (Rudolph Reisenweber) aproveitam os curtos espaços que têm para apresentar grandes trabalhos.
As grandes performances de “Alô, Dolly” são de Fause Haten, de Fernanda Chamma e de Alessandra Verney. Os números de Verney, além de excelentemente interpretados, são cantados com emoção, carisma e graça.
Os figurinos da produção são, em detalhes, bem cuidados, criativos, ricos e visualmente vibrantes. Em todos os momentos, mas sobretudo nas cenas do trem e da entrada de Dolly no segundo ato, as coreografias (palmas aos excelentes bailarinos) dão agilidade, como já se disse, infelizmente rara nessa narrativa. Verney, Haten e Chamma ratificam o gênero comédia musical americana: o preciosismo, a técnica, a jovialidade e o idealismo.
Os cenários de Renato Theobaldo e de Roberto Rolnik deixam a desejar assim como a iluminação de Paulo César de Medeiros. Na cena da chapelaria, por exemplo, o espectador sabe, por antemão, o que vai acontecer quando entram uma mesa e um armário. Tudo é escuro, pesado, sem vida, agindo, assim, em sentido contrário às belas composições de Jerry Herman. Basicamente monocromática, Paulo César de Medeiros varia da luz geral para o blackout, sem valorizar os figurinos de Haten, os cenários e a movimentação. Com um elenco de excelentes cantores, e Karin Hills é um feliz exemplo, não há mais outros positivos destaques em termos de interpretação.
Parecendo (sem ser) datado, “Alô, Dolly!”, em resumo, é uma boa produção. Apenas boa, o que já é muito, considerando o valoroso (e valorizável) desgaste em produzir uma obra dessa qualidade e tamanho. Por isso, parabéns!
Por Rodrigo Monteiro - Blog Crítica Teatral
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